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Setembro Amarelo: o cuidado além do julgamento

Em meio a rotinas e medicação diária, o Setembro Amarelo ganha um novo olhar. Ele ilumina não só a jornada de quem enfrenta a saúde mental, mas também a de cuidadores que precisam de apoio para continuar a luta.

O cuidado não é uma escolha, é um compromisso. Mas ele exige, acima de tudo, acolhimento e escuta. Principalmente quando o assunto é a saúde mental de pessoas com deficiência intelectual. Muitas vezes negligenciada, essa realidade se soma aos desafios diários de quem cuida e precisa de uma rede de apoio que olhe para ambos.

Em um mês de conscientização como o Setembro Amarelo, é essencial lembrar que a saúde mental não faz distinção e que o apoio a quem cuida também é um ato de empatia.

A Saúde Mental que a sociedade ainda não vê

“Hoje acordei às seis e meia. Gosto de ver o terço na TV Aparecida, fico quietinho assistindo e rezo junto...”. Este é um trecho da rotina de um homem com síndrome de Down que, após episódios de paranoia e agressividade, enfrenta o desafio de reconstruir sua autonomia. Sua história, assim como a de tantas outras, é marcada por medicações diárias, terapias e a luta para recuperar a vida que, de repente, mudou.

Ele trabalhava, cantava e dançava. Hoje, evita a multidão e se sente observado. “Fiquei violento. Não sei por quê. Eu gritava, empurrava. Não queria machucar ninguém, mas aconteceu. O médico falou que eu preciso ficar em casa, até melhorar. E eu quero melhorar.”

A barba, ele deixa crescer porque o faz sentir mais parecido com Jesus. Os passeios são raros. “Fico nervoso com muita gente. Fico pensando que estão falando, fazendo careta, rindo de mim e quando volto para casa isso demora para passar.”

Seu depoimento, embora com a esperança de progresso, ilustra um desafio invisível para a maioria das pessoas: a complexa interseção entre a deficiência intelectual e os transtornos mentais. Ele confia nos profissionais que o acompanham, mas sabe que a jornada é longa. “Quero voltar a fazer as coisas sozinho... A psicóloga disse que é um passo de cada vez. Eu confio nela, mas é difícil.”

O peso do olhar de fora

A realidade de quem cuida de uma pessoa com deficiência intelectual e transtornos mentais é cercada por julgamentos. Decisões tomadas com base em orientação médica, como o afastamento do trabalho ou o uso de medicamentos, são frequentemente questionadas por quem não entende o que acontece dentro de casa. Frases como “Ele estava tão bem, por que parou de trabalhar?” ou “Essa barba enorme? Ele parece um mendigo” são comuns e fragilizam a relação entre o cuidador e a pessoa que ele assiste.

O cuidado exige escuta, paciência e, acima de tudo, respeito. E isso se aplica tanto a quem recebe o cuidado quanto a quem cuida.

O olhar dos especialistas: o que realmente importa

Para entender a fundo essa realidade, conversamos com especialistas na área de saúde mental: a psicóloga Selma Rodarte e o psiquiatra Dr. Marcelo Pereira dos Santos.

Desafios e diagnósticos

O psiquiatra Dr. Marcelo explica que o maior desafio no diagnóstico de transtornos mentais em pessoas com deficiência intelectual é a sobreposição de sintomas. “Muitos sintomas de doenças mentais parecem iguais às características da deficiência”, afirma ele. Por exemplo, a dificuldade de comunicação pode ser parte da Síndrome de Down ou um sintoma de depressão. A chave é observar mudanças no comportamento que não são habituais para a pessoa. Sinais de paranoia, como desconfiança excessiva, isolamento e pensamentos estranhos, devem ser um alerta.

Além da medicação

O tratamento não se resume a remédios. A psicóloga Selma Rodarte ressalta a importância da psicoterapia para a reconstrução da autonomia e fortalecimento emocional. “Com recursos lúdicos e linguagem acessível, é possível ajudar o paciente a compreender e expressar suas emoções”, diz. Para ela, a autonomia é conquistada aos poucos, com pequenas escolhas no dia a dia. Rotinas estruturadas são fundamentais, pois ajudam a evitar crises e a dar segurança, como aponta o Dr. Marcelo.

A agressividade em adultos com Síndrome de Down, por sua vez, pode ser causada por frustração, dor, cansaço ou mudanças na rotina. Também pode ser um sinal de algum transtorno mental em desenvolvimento.

O papel dos remédios e terapias

O Dr. Marcelo explica que os remédios podem aliviar sintomas como ansiedade ou agitação, mas não resolvem tudo. “Eles devem ser usados junto com outras terapias e cuidados, pois sozinhos não mudam o jeito como a pessoa vive ou enfrenta problemas”, afirma. Já as terapias, como as que ajudam a melhorar o jeito de pensar e sentir ou atividades que dão prazer, precisam ser adaptadas para que o paciente entenda bem, usando linguagem fácil e rotina.

A saúde de quem cuida: um olhar necessário

O Dr. Marcelo é enfático ao afirmar que não há uma “receita certa” para o cuidado, mas reforça a necessidade de paciência e de buscar apoio. Ele ressalta que é normal o cuidador se sentir culpado ou com medo de tomar decisões erradas, mas que o fundamental é “conversar com profissionais, compartilhar dificuldades e lembrar que fazer o melhor possível já é um grande passo”.

Selma Rodarte completa, “Cuidar de si não é egoísmo, é necessidade.” A psicóloga lembra que a sobrecarga do cuidador pode comprometer a qualidade do cuidado. É essencial que ele tenha pausas, apoio e, se possível, acompanhamento psicológico. Ambos os especialistas concordam: o olhar crítico de fora pode fragilizar o vínculo, e é crucial fortalecer a confiança mútua e ignorar as críticas.

E quando o progresso parece lento? “Cada pequeno passo importa”, diz Selma. “A psicoterapia ajuda a ressignificar expectativas e valorizar conquistas, por menores que pareçam. Avançar devagar também é avançar.”

Setembro Amarelo: um chamado ao acolhimento

Pessoas com deficiência intelectual também sentem emoções fortes e merecem atenção para sua saúde mental. O Dr. Marcelo faz um apelo: “É importante entender, respeitar e oferecer ajuda sem julgamentos.”

Para ele, a sociedade precisa ser mais paciente, ouvir sem preconceitos e buscar informações para entender melhor, incluindo essas pessoas em atividades sociais e de trabalho. Ele ainda reforça a importância da valorização do trabalho em equipe entre psiquiatras, família, cuidadores e outros profissionais para garantir um cuidado completo e humano.

A psicóloga Selma Rodarte finaliza: “Setembro Amarelo nos lembra que valorizar a vida é um compromisso coletivo. Ninguém precisa enfrentar sozinho”. Cuidar da saúde mental é, em última análise, cuidar da vida.

@psicologa_selmarodarte

@drmarcelopsiquiatra

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