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Roberta Ormenzinda: uma mulher negra, forte e empreendedora

Em entrevista ao Portal Arcos, Roberta Ormenzinda contou um pouco de sua história de superação como uma mulher negra, que enfrentou vários preconceitos para conseguir chegar num lugar de destaque e reconhecimento

Empreender e conquistar uma boa posição de liderança no Brasil, sendo mulher, continua sendo algo difícil. Porém, o desafio é ainda maior quando se é uma mulher negra.

Segundo pesquisa do SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), 48% dos Microempreendedores Individuais (MEI) no Brasil são mulheres e os pequenos negócios representam a esmagadora maioria dos empreendimentos comandados por gestoras no nosso país. Mas, quando se observa os recortes raciais dessas empreendedoras, a pesquisa mostra que as mulheres negras estão mais distantes com relação às oportunidades das mulheres brancas.

Devido a esta realidade, a maioria das mulheres negras que estão no mercado como empreendedoras, elas acabam se tornando uma grande inspiração para que outras mulheres negras venham também empreender. Este é o caso da arcoense Roberta Ormenzinda Calácia Andrade, que é empreendedora e se destacou na cidade Arcos com a sua loja de Lace Wig (perucas) e bonecas negras personalizadas. Em entrevista ao Portal Arcos, ela contou um pouco de sua história como uma mulher negra, que sempre sonhou em mudar a vida das outras pessoas por meio do seu trabalho.

 

Processo de Aceitação

Roberta Ormenzinda é empreendedora e tem 34 anos. Ela é filha de Ronan José de Andrade e Irilda Calácia.

Na entrevista dada ao Portal Arcos, ela iniciou contando que o a sua decisão de empreender vendendo Lace Wig (perucas) iniciou, principalmente, devido a todo processo de preconceito que ela viveu durante sua infância e adolescência.

Ela contou que quando era criança ela sofria muito na hora de pentear o cabelo, pois achava muito dolorido e isso acabou lhe gerando certo trauma. Porém, ela disse que também tinha o preconceito das pessoas, e isso tudo contribuiu para que ela ficasse um bom tempo com o cabelo apenas preso em sua infância. “Eu tinha aquele trauma de ficar puxando o cabelo, eu chorava e até corria na hora de lavar o cabelo. Então, desde cedo a gente já começa com esse trauma de ser dolorido. E teve uma vez que meu cabelo estava solto e eu estava esperando ele secar e uma pessoa passou e me chamou de palhaça. Então tudo isso vai marcando a gente”.

Ela também relembrou que chegou a usar seu cabelo preso até certa fase de sua adolescência, porém, quando surgiu uma oportunidade, ela decidiu finalmente soltar o seu cabelo.

“Um dia teve na escola um desfile dos anos 70 e 80 que eu participei, e eu vi que esse desfile era a deixa para eu soltar o meu cabelo, pois, eu só soltava quando eu lavava. Então nesse desfile, que foi ali no Berenice, eu soltei o cabelo e eu lembro que eu fiquei muito pensativa se soltava ou não e essa foi a sensação mais libertadora da minha vida, foi muito legal, foi inesquecível”, comentou.

Depois disso Roberta Ormenzinda começou a usar o seu cabelo solto. Ela buscou por referências de mulheres negras e começou a fazer alguns penteados diferentes. “Na época eu tinha entre 16 e 17 anos, e eu fui com tudo. O pessoal passava e olhava, eu ia pras festas e o pessoal olhava, mas, eu continuei”.

Porém, Roberta contou que essa felicidade de se sentir bem com o seu próprio cabelo acabou a partir do momento em que ela sofreu novamente uma situação de preconceito.

“Lembro que eu estava no centro da cidade e eu estava com meu cabelo solto. E uma mulher me chamou de demônio. Eu nunca me esqueci disso. E esse foi um gatilho para que eu não usa-se ele solto mais”.

Foi a partir daí, após viver um momento de trauma e preconceito, que Roberta começou a buscar formas de esconder o seu cabelo. Foi então, após realizar muitas pesquisas, que ela começou a conhecer o universo das Laces Wigs, nome que é usado atualmente para se referir às perucas.

 

Pioneirismo ao falar sobre Laces Wigs no Brasil

A partir daí Roberta Ormenzinda começou a mergulhar no universo das Laces. Roberta contou que naquela época não havia no Brasil informações sobre as Laces, com isso, ela teve que traduzir vários sites em inglês para entender mais sobre o assunto. Foi então, devido à dificuldade que ela teve de saber mais sobre o assunto, que ela decidiu criar um Blog para levar todas essas informações que ela aprendeu para as brasileiras.

“Então eu fui aprendendo, fui adquirindo mais conhecimento sobre as laces e eu decidi criar um blog para que outras pessoas não passassem pelo que eu passei. Eu criei o blog e ele foi o pioneiro no Brasil sobre o assunto. Isso me abriu portas, eu dei palestras em outros estados e me tornei uma referência no assunto para as outras meninas”.

 

Liberdade ao usar novamente seu cabelo crespo – Roberta contou que ficou um bom tempo só usando as Laces, porém, em certo momento percebeu que sempre quando ia colocar a Lace Wig ela se escondia das outras pessoas, para que ninguém visse seu cabelo natural. Foi neste momento, que ela percebeu a necessidade de novamente usar seu cabelo solto, em sua forma natural.

“Então um dia meu cabelo já tinha crescido bastante, eu resolvi soltar o meu cabelo e fui andar de bicicleta. Aquilo pra mim foi libertador. A partir daquele momento eu consegui ter mais equilíbrio”. A partir deste dia, Roberta passou a usar o seu cabelo de duas formas às vezes solto e às vezes colocava a Lace.

 

Produção da própria peruca

Roberta também contou que algo que acontecia com ela também era recorrente com outras mulheres. Pois elas compravam as perucas e muitas vezes elas não chegavam da forma que elas queriam. A partir daí, Roberta decidiu começar a produzir suas próprias Laces. “decidi tentar fazer a minha própria peruca. Foi aí que eu encontrei a minha verdadeira vocação, comecei a desenvolver minhas próprias perucas e comecei de fato a trabalhar com elas”.

 

Bonecas Negras

“[...] Então eu percebi que as crianças negras sentiam falta de uma representatividade” – Roberta Ormenzinda

Roberta também se destacou ao começar a vender em sua loja um produto que é pouco encontrado na maioria das lojas da cidade: bonecas negras. É algo, que há pouco tempo começou a ganhar espaço no mercado e que, em alguns anos atrás, praticamente, nem existia. As lindas bonecas negras foi o segundo produto que Roberta decidiu vender em sua loja.  

“Um dia eu acordei e decidi que queria uma boneca negra. Eu pesquisei, encontrei e eu comprei quatro. Mas, ao invés de eu ficar com as bonecas e dei para quatro crianças diferentes. Uma das crianças amou tanto a boneca que a mãe me disse que a criança não deixava ninguém tocar, de tanto ciúme. Então eu percebi que as crianças negras sentiam falta de uma representatividade. Então eu comecei a pesquisar por mais bonecas, e comecei a comprar para revender, para que as crianças pudessem se ver representadas na boneca”.

Após um tempo, Roberta também começou a personalizar suas próprias bonecas, pois, segundo ela, mesmo a boneca sendo negra ela não tinha características de uma pessoa negra. “As bonecas vinham com o cabelo muito liso ou ondulado, e eu queria um cabelo mais crespo. Aí eu mesmo comecei a implantar. Eu consegui a fibra e comecei a fazê-las mais personalizadas, com características mais reais e umas roupas mais modernas”.   

Para Roberta, a venda dessas bonecas foi uma forma de fazer com que as crianças e até mulheres adultas se sentissem representadas.

“A gente pensa que é só uma boneca, mas ela traz muitas coisas. Tem mulheres adultas que compram a boneca. Teve uma moça que veio aqui e comprou três bonecas, duas para suas filhas e uma para ela. E ela me contou que na hora que ela abriu a boneca ela foi para o banheiro e começou a chorar, pois ela se lembrou da infância dela. Às vezes achamos que é uma coisa simples, mas, não é. É importante a gente poder se ver representada na televisão, nas revistas e nas bonecas”.

 

“Eu sempre tive uma veia mais empreendedora, por referência do meu pai, pois, ele sempre me incentivou a tentar não trabalhar para os outros e sempre tentar ter o nosso próprio negócio” – Roberta Ormenzinda

Quanto ao empreendedorismo, Roberta comentou que sempre teve o sonho de ter o próprio negócio e que isso foi incentivado por seu pai: “Eu sempre tive uma veia mais empreendedora, por referência do meu pai, pois, ele sempre me incentivou a tentar não trabalhar para os outros e sempre tentar ter o nosso próprio negócio”.

Roberta contou que quando era mais nova chegou a vender fotos autografadas e enviava por meio de carta, também vendeu bonequinhas de pano e biscuit. Depois trabalhou com as Laces, com as bonecas e para aperfeiçoar o seu trabalho no blog, ela começou a se interessar por fotografia. “Meu amigo tirava as minhas fotos, eu tirava as dele e aí eu descobri outra paixão. Então eu comecei a trabalhar com fotografia, o pessoal me chamava e eu ia, era uma renda a mais”.

 

Preconceito

Roberta comentou que por meio se seus trabalhos como empreendedora ela começou a perceber que havia um grande preconceito enraizado nas pessoas. “Às vezes eu estava fazendo foto em um lugar e eles perguntavam pra quem eu estava trabalhando, eles não imaginavam que eu era a profissional por trás do negócio. É o racismo estrutural, onde pra eles, nós negros sempre temos que estar na posição de subserviência”

Ela também relatou a seguinte situação: “Teve uma vez em que eu estava no meu estúdio e que entrou uma mulher e ela perguntou se o meu patrão estava lá para ela me entregar o currículo do filho dela. E era uma mulher negra. Com isso, às vezes nós estamos tão acostumados a ouvir certos termos que não paramos pra pensar nisso e passamos a não nos importar”.

 

“As pessoas devem buscar conhecimento e não devem desistir. Porque se eu tivesse ouvido o que outras pessoas falavam, e até mesmo meus familiares, nada disso aqui seria real” – Roberta Ormenzinda

Ao final da entrevista, perguntamos a Roberta qual seria a mensagem que ela gostaria deixar para o mundo e para a nova geração com o seu trabalho. Em resposta ela disse: “Para não desistir, tem hora que é difícil, mas nós estamos em uma geração onde estão vindo crianças mais fortes, que estão sendo criadas por pais mais fortes e com mais conhecimento. As pessoas devem buscar conhecimento e não devem desistir. Porque se eu tivesse ouvido o que outras pessoas falavam, e até mesmo meus familiares, nada disso aqui seria real”.

“Eu já fui chamada de doida, mas, eu ouvia uma voz falando lá no fundo para eu não desistir e sim persistir e era aquilo que eu queria. Se em algum momento eu cheguei a desanimar, sempre ficava algo falando pra eu não desistir. Eu aprendi que o verdadeiro sonho ele não fica gritando pra você, ele sussurra. Então é necessário persistir, não desistir, estudar e se impor. Se impor mesmo e não abaixar a cabeça, pois nós negros somos bons e na maioria das vezes até melhores, pois temos que nos esforçar ainda mais para a gente alcançar os nossos objetivos”, finalizou.  

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